Traficantes trabalhavam no aeroporto. Avião da TAP andou a “passear” 14 quilos de cocaína pelo mundo

Correio do Pantanal

29 jul 2019 às 22:16 hs
Traficantes trabalhavam no aeroporto. Avião da TAP andou a “passear” 14 quilos de cocaína pelo mundo

Rede liderada por comerciante lisboeta importava a droga da Venezuela. Três funcionários da Groundforce garantiam o desembarque. Pelo tráfico, oito homens foram condenados a penas de entre 5 anos e 11 meses e 12 anos de cadeia.

© Álvaro Isidoro / Global Imagens

David Mandim DN

Um mês antes, a rede de tráfico de droga que estava a ser investigada pela PSP tinha sofrido um contratempo: a porta do compartimento do avião onde a cocaína viajava camuflada abriu-se por acaso e expôs o produto, que foi apreendido. Mas tal não fez o grupo que incluía três funcionários da Groundforce desistir da importação de cocaína, recorrendo a aviões que faziam o trajeto Caracas-Lisboa. Só que a remessa seguinte chegou a Lisboa, num avião da TAP, numa altura em que não foi possível aos elementos da empresa de handling retirar a droga. E assim a aeronave fez mais três viagens, para São Paulo, Boston e New Jersey, até que os mais de 14 quilos de cocaína fossem retirados. Oito elementos do grupo foram condenados a penas de prisão entre os 5 anos e 11 meses e os 12 anos. Ao principal líder, um comerciante do ramo automóvel, o tribunal decretou a perda de quase 800 mil euros, já arrestados em contas bancárias de familiares e em automóveis, a favor do Estado.

No centro da rede estava o comerciante do setor automóvel, de 38 anos, residente em Lisboa. A cocaína era sempre adquirida na Venezuela, transportada em aviões comerciais, e depois vendida na Área Metropolitana de Lisboa ou Espanha. Na atividade ilegal participavam várias pessoas, neste processo foram acusados dez envolvidos na importação e revenda da droga. Além do líder e seus colaboradores, havia os três funcionários da Groundforce que, a troco de dinheiro, aceitaram fazer o desembarque da cocaína. Por cada operação, estes homens que trabalhavam na Portela recebiam entre 25 mil a 30 mil euros.

Para o esquema funcionar, um homem espanhol de 51 anos fazia a ligação aos sul-americanos. Foi dado como provado que era quem estabelecia os contactos com o fornecedor da cocaína em Caracas e quem se encarregava, na maioria dos casos, de fazer chegar aos venezuelanos o dinheiro. Em Lisboa este homem tinha uma casa alugada por mil euros por mês, onde o grupo reunia e guardava a droga em alguns períodos. Parte da cocaína era levada para Espanha por este indivíduo.

Cinco milhões em cocaína

Mês e meio antes de serem detidos, aconteceu um episódio que levou a rede a perder cerca de cinco milhões de euros, segundo revelou na altura a PJ. De forma fortuita, 51 quilos de cocaína em elevado estado de pureza são encontrados pelas autoridades no interior de um avião originário de Caracas no dia 23 de novembro de 2016. A droga estava escondida em dois compartimentos, um técnico e outro no porão, e só foi encontrada quando, inadvertidamente, a porta do compartimento do porão se abriu, revelando os blocos de cocaína. No acórdão do tribunal de Lisboa é revelado que o traficante venezuelano, cuja identidade não foi apurada, exigiu um comprovativo de que a cocaína tinha sido apreendida pela PJ, o que foi possível aos portugueses obter após esta polícia ter emitido um comunicado a dar conta do sucedido.

Apesar do contratempo, uma nova remessa foi preparada para dezembro do mesmo ano. Contudo, os venezuelanos recorreram a um diferente compartimento técnico para colocar o produto, local que causava dificuldades aos funcionários da Groundforce para o retirar. Assim, no dia 28 de dezembro o avião aterrou na Portela, sem que o produto estupefaciente, mais de 14 quilos de cocaína, fosse retirado.

O avião da TAP viajou para São Paulo, no Brasil, e regressou a Lisboa, sempre com a cocaína oculta no seu interior. A aeronave volta a levantar, cumprindo então a rota Lisboa-Boston, e quando aterra em Portugal, no dia 30 de dezembro, segue para New Jersey. Apesar desta situação, de acordo com factos provados em tribunal, os arguidos mantiveram a calma, e esperaram pela oportunidade de retirar a cocaína, o que sucedeu no dia 31.

Parte da cocaína, mais de seis quilos, saiu logo e seguia no automóvel de um dos arguidos, quando este foi intercetado pela Equipa de Investigação Criminal da PSP que há meses investigava o grupo. Na busca efetuada a um dos funcionários da Groundforce foram ali encontrados mais oito quilos de cocaína em duas cintas.

Os juízes do Tribunal de Lisboa consideraram provado que a cocaína, em ambas as ocasiões, se destinava ao dois líderes da rede, o comerciante de automóveis e o espanhol. Outros três indivíduos foram dados como colaboradores no transporte e revenda da droga em Portugal, com os três funcionários da Groundforce a serem os responsáveis por tirar a cocaína dos aviões e a fazer sair do aeroporto.

Estado fica carros e mais de 700 mil euros

Perante os juízes, o comerciante e dois funcionários da empresa aeroportuária confessaram, parcialmente, os factos. Por cada encomenda de droga, consoante o peso, os três elementos da Groundforce recebiam entre 25 mil a 30 mil euros. Nos meses anteriores, a PSP seguiu os arguidos durante meses, com fotografias dos suspeitos em ação e escutas telefónicas a serem determinantes.

Num processo que já tinha subido à Relação de Lisboa, as penas aplicadas em acórdão de junho foram pesadas. O comerciante de automóveis, que está em preventiva, foi condenado a 11 anos de prisão, enquanto o espanhol foi punido com 12 anos. Os três funcionários da Groundforce tiveram condenações de 8 anos, um deles, e de 6 anos e 11 meses os outros dois. Os restantes três arguidos apanharam penas de 5 anos e 9 meses de cadeia. Houve dois arguidos absolvidos.

O comerciante usava contas bancárias de vários familiares para movimentar o dinheiro. Nenhum deles tinha apresentado declarações de rendimentos nos últimos anos, o que facilitou a decisão judicial de decretar a perda de património. O principal líder da rede viu assim o tribunal decretar a perda a favor de Estado de 777.831 euros, valor já arrestado em contas bancárias e em automóveis. Os juízes verificaram que o património ostentado só podia ter proveniência ilícita. Este homem e um colaborador estão presos enquanto dois funcionários da Groundforce estão em prisão domiciliária.

ATENÇÃO: Comente com responsabilidade, os comentários não representam a opnião do Jornal Correio do Pantanal. Comentários ofensivos e que não tenham relação com a notícia, poderão ser retirados sem prévia notificação.