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Plano envolve identidades falsas e contas em redes sociais. Documento não refere conluio com a campanha do presidente dos EUA, mas é claro no apoio dado ao republicano
São 37 páginas, que fundamentam a acusação contra 13 cidadãos e três empresas russas, e que mostram como a Rússia interferiu nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, num processo iniciado dois anos antes, e que envolve esquemas como o uso de identidades falsas, a criação de contas em redes sociais para publicitar a mensagem de Donald Trump e minar a imagem de Hillary Clinton, viagens secretas aos Estados Unidos para recolher informação e a organização de comícios. Segundo o procurador-geral adjunto dos EUA, Rod Rosenstein, “não existe nenhuma alegação na acusação de quaisquer efeito no resultado da eleição”.
A operação era gerida pela Internet Research Agency, com ligações ao Kremlin, que a partir de São Petersburgo criou em 2014 uma rede de falsos grupos de ativistas norte-americanos que se focavam em temas fraturantes na sociedade dos EUA como relações raciais, religião, imigração e a campanha presidencial de 2016. A equipa chegou a ser composta por cerca de 80 pessoas e a ter um orçamento de 1,25 milhões de dólares. E usou servidores sedeados nos Estados Unidos para esconder o facto de que estavam na Rússia.
Para a sua presença em redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram ou YouTube fossem convincentes trabalhavam dia e noite colocando online comentários de acordo com os vários fusos dos EUA. O Facebook estima que os posts publicados pela equipa nesta rede social atingiu cerca de 126 milhões de americanos (um pouco menos de metade da população do país). Fizeram também visitas a vários estados norte-americanos, sob falsos pretextos, para recolher informações in loco, bem como para comprar câmaras, telemóveis descartáveis e cartões SIM.
O interesse dos russos pelas presidenciais norte-americanos deu-se antes de Donald Trump apresentar a sua candidatura, mas em fevereiro de 2016 foram dadas instruções para “aproveitar qualquer oportunidade para criticar Hillary e os outros (exceto Sanders e Trump – estes têm o nosso apoio”, pode ler-se na acusação do conselheiro especial Robert Mueller.
Nas semanas que antecederam as eleições de 8 de novembro de 2016, os russos usaram as suas páginas para atingir o eleitorado afro-americano e muçulmano e tentar evitar que as minorias (normalmente mais favoráveis aos democratas) votassem em massa. Por exemplo, na página Woke Blacks no Instagram (um perfil falso criado pelos russos) era sugerido que em vez de votar “pelo menor de dois males”, os afro-americanos não deveriam votar de todo.
Esta operação envolveu também a criação de centenas de contas de e-mail, PayPal e bancárias e até cartas de condução falsas emitidas em nome cidadãos norte-americanos fictícios. Foram também usadas identidades verdadeiras através de números de Segurança Social roubados.
O objetivo do plano russo ia para lá da influência nas redes sociais, tendo o grupo contactado ativistas reais pró-Trump e voluntários da campanha do republicano, mas também organizado comícios. Um ativista do Texas, por exemplo, assumindo que estava a falar com norte-americanos, aconselhou-os a concentrarem-se nos estados indecisos como o Colorado, Virgínia e Florida.
A Florida é um exemplo dos esforços levados a cabo pelos russos, no verão de 2016, para apoiar o atual presidente dos Estados Unidos, ao organizarem um pouco por todo o estado os comícios Florida Goes Trump, previstos para o dia 20 de agosto. Recorrendo a identidades falsas entraram em contacto com a campanha do republicano para oferecer os seus préstimos, publicitaram os eventos nas redes sociais e até pagaram a um apoiantes de Trump para que este construísse uma jaula na parte de trás de um camião e a um outro para que desfilasse dentro dela usando um disfarce que se assemelhasse a Hillary Clinton vestida com um uniforme prisional. Estas táticas foram usadas em eventos noutros estados, como Nova Iorque e Pensilvânia.
Segundo a acusação, após a eleição, os russos usaram identidades falsas para organizar e coordenar comícios a favor de Donald Trump, mas também contra os resultados das presidenciais – ambos tiveram lugar a 12 de novembro em Nova Iorque.
Estas 37 páginas não respondem à questão se a campanha de Trump estava em conluio com o Kremlin, mas é clara quanto à interferência russa nas presidenciais norte-americanas, algo que o presidente tem negado a maior parte do tempo. Mas a sua reação à acusação agora conhecida poderá ser a sua maior declaração de reconhecimento do envolvimento de Moscovo. “A Rússia começou a sua campanha anti-EUA em 2014, muito antes de eu anunciar que me candidatava a presidente. Os resultados da eleição não foram afetados. A campanha Trump não fez nada de mal – sem conluio!”, escreveu o presidente no Twitter. Já o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, afirmou que “até vermos os factos, tudo o resto são disparates”.
Os treze russos – acusados de crimes como conspiração para defraudar os Estados Unidos, fraude bancária e roubo de identidade – não poderão ser julgados ou presos pois não existe um tratado de extradição entre Washington e a Moscovo.