Dirigentes de casas de Portugal e outros líderes comunitários falam em 80% a 90% de lusodescendentes ao lado do capitão. Até Roberto Leal vota nele. Mas há quem esteja assustado e opte por Haddad.
A maioria dos portugueses a viver no Brasil tende a votar Jair Bolsonaro, o candidato do PSL que na eleição do próximo domingo enfrenta Fernando Haddad, do PT. Pelo menos, é nesse sentido que aponta a estimativa, a olho nu, dos presidentes das casas de Portugal de São Paulo e de Campinas, duas das maiores do país, e do presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas. Mas o DN conversou ainda com o português que concorreu, e perdeu, a corrida a um lugar como deputado estadual, o cantor Roberto Leal, com um treinador de futebol nómada há anos a trabalhar no país, com um designer a morar em Manaus e com o dono de uma creche no estado do Rio de Janeiro. E ouviu divergências.
António dos Ramos, presidente da Casa de Portugal em São Paulo, atende o telefone no seu escritório na maior cidade do Brasil e sublinha que fala a título pessoal, porque a casa que recebeu todos os chefes de Estado do Brasil é apartidária. “Olhe, o PT foi com sede demais ao pote e o Brasil só não faliu porque não é a Venezuela”, começa por dizer.
“Há 150 estatais, devia haver umas três ou quatro, quando o Fernando Henrique Cardoso, o maior presidente que este país já teve, privatizou a Vale, a segunda maior empresa pública depois da Petrobras, o PT foi contra, hoje a Vale está uma maravilha”, diz o líder da instituição fundada em 1935.
“Por outro lado, embora ele diga às vezes algumas coisas que confundem, não é verdade que o Bolsonaro seja de ultradireita ou fascista, por isso, pode escrever aí que uns 90% dos portugueses de São Paulo votam nele.”
“Pôr ordem no galinheiro”
Além da promessa de privatizações, o foco na segurança e no combate à corrupção são as políticas do líder das sondagens, com 59% dos votos, que mais seduzem os luso-brasileiros, segundo o presidente da Casa de Portugal em São Paulo. “Ele representa a novidade, embora fosse deputado, e vai pôr ordem no galinheiro, aqui morrem assassinadas 66 mil pessoas ao ano, as leis são moles, é necessária uma faxina.”
Como Ramos, também Pedro Peixoto, vice-presidente da Casa de Portugal de Campinas, cidade cem quilómetros a norte de São Paulo com ampla comunidade lusitana, sente que a maioria dos seus compatriotas está ao lado do capitão na reserva. “Embora se tenha a ideia de que cada um dos candidatos é problemático, a esmagadora maioria da colónia portuguesa na nossa cidade, uns 80%, apoia o Bolsonaro.” “A rejeição ao PT é maior, em todos os âmbitos da nossa comunidade, não apenas entre os comerciantes”, prossegue.
“Muitos brasileiros mais desfavorecidos, não falo agora dos portugueses, têm relação de confiança com o PT, porque o partido foi bom para eles, mas, no geral, o PT fez um muito mau governo.”
Estima-se que o número de portugueses no Brasil ronde os 140 mil mas se forem contabilizados aqueles que têm ligação, ainda que remota, ao país o número ascende a cerca de 80% da população de 206 milhões de habitantes.
“Portugueses gostam de um Salazar”
Flávio Alves Martins, presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, concorda, em traços gerais, com a estimativa de Ramos e de Peixoto – “uns 80% dos portugueses no Brasil estão ao lado de Bolsonaro” – mas discorda, em absoluto, da opção pelo candidato do PSL.
Em declarações à agência Lusa, notou a tendência por Bolsonaro de norte a sul, em especial nos grandes estados, como São Paulo, Minas Gerais ou Rio de Janeiro, onde vive, porque há “um descontentamento geral da população com os partidos políticos tradicionais”. “E porque”, lamenta-se, “os luso-brasileiros, em muitos casos, são pessoas que não foram habituadas a viver com a diversidade, com a democracia e com a diferença”.
“A escolha de Bolsonaro dá-se porque ele é um candidato novo, embora para mim não seja, é igual aos outros, além de que tem um discurso com o lema que se usava na Alemanha nazi, o ‘Brasil acima de todos'”, afirmou. “Mas a nossa comunidade gosta de alguém que exiba muita força, como Salazar, ou algo parecido.”
“Bolsonaro não tem uma ideia”
Artur Costa, dono de uma creche, em Três Rios, no estado do Rio de Janeiro, é crítico de um eventual governo Bolsonaro. “Os 16 anos da era PT foram um período de avanço económico interrompido por um impeachment com sabor a vingança.”
“Mas a esquerda tem culpas: ergueu demasiado alto a bandeira das causas identitárias, apesar de elas serem justas e importantes, acabando por deixar de lado aquele eleitor que nem sabe direito o que é misoginia, transgéneros ou ideologia de género, isso gerou o fenómeno Bolsonaro.”
“Bolsonaro por sua vez não tem agenda, não tem ideias, não tem nada”, diz o empresário natural de Almada, “mas baseou-se no discurso contra aquelas causas, um discurso com que as classes mais altas e conservadoras se identificaram”. “E porque se identificaram? Porque no Brasil não há a cultura do bem comum, da inclusão, da sensibilidade cívica, do diferente.”
Fernando Lage, treinador de futebol, com trabalhos em lugares desportivamente inóspitos como a Rondônia, o Roraima ou o Amazonas, sente que o país precisa de mudança. “Eu não apoio o Bolsonaro mas eu apoio a mudança, como muitos brasileiros, e entre o votar no que já deu errado e o votar no que poderá ou não dar certo, é melhor votar na dúvida do que na certeza de que vai dar errado.” E remata, de primeira: “Eu digo não, sempre, ao comunismo e por isso não votaria jamais no PT.”
“Guerra à Venezuela?”
Rui de Almeida, designer que mora em Manaus, capital do Amazonas, é casado com uma brasileira eleitora de Marina Silva que provavelmente votará em branco na segunda volta – “mas seguramente não em Bolsonaro”.
“Por ela ser médica, vivemos rodeados de uma classe média-alta, que tem por tradição uma certa aversão à ‘populaça'”, afirma Almeida. “Aqui vota-se nos ‘amigos’ contra os ‘outros’, uma doutrina muito típica dos autoritarismos fascistas que deviam estar enterrados, preocupa-me o desapego a valores democráticos e republicanos em geral.”
O designer português queixa-se de ter passado a vida a votar “mais por rejeição do que por aprovação”. “Neste caso”, lamenta-se, “vai ser parecido, não é que eu apoie o Haddad, mas rejeito em absoluto a apologia do ódio e da violência”.
Para ele, há ainda um receio acrescido com a eventual vitória do deputado do PSL: “Temo que, para agradar a Donald Trump, o Bolsonaro opte por intervir na Venezuela, o que desestabilizaria todo o subcontinente.”
“Não posso apoiar um preso”
Candidato, sem sucesso, a uma vaga na assembleia estadual de São Paulo, o cantor Roberto Leal apoia Bolsonaro na segunda volta, depois de ter votado Geraldo Alckmin, do PSDB, na primeira, por determinação do seu partido, o PTB, partido de Roberto Jefferson, o delator do Mensalão.
Agora, o PTB está com o deputado de extrema-direita. E Leal idem: “Não há opção, depois de todos os acontecimentos”, desabafa. “O Brasil atravessa a sua maior crise política, não dá para apoiar alguém que está preso e muitos do seu partido também presos, fica impossível apoiar algo que não deu certo.”
“Por isso, vou pela outra opção”, resume.
O cantor popular de origem transmontana rejeita Fernando Haddad, o candidato que substituiu Lula e que usou Portugal como exemplo em dois momentos da campanha. Em conversa com jornalistas portugueses no Rio, lembrou António de Oliveira Salazar: “Acho que os portugueses que conhecem o salazarismo e sabem do tudo de ruim que o fascismo traz para o mundo deviam ficar preocupados com estas eleições brasileiras.”
Elogio da geringonça
Noutra ocasião, referiu-se ao atual governo liderado por António Costa. “O país foi um exemplo no enfrentamento bem-sucedido à política de austeridade que lhe foi imposta na crise de 2009 e 2010.” “Portugal é um exemplo para todos nós e vem ao encontro ao que também defendemos”, acentuou.
Jair Bolsonaro, por seu lado, teve uma declaração sobre Portugal que causou enorme controvérsia no Brasil durante a campanha. Ainda em julho, disse em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que os portugueses não tiveram responsabilidade na escravatura: “O português nem pisava África, eram os negros que entregavam os escravos.”
O país europeu voltou a ser notícia ao longo da agitada corrida eleitoral por ser de lá, de acordo com reportagem da edição brasileira do jornal El País, que opera um dos principais divulgadores de notícias de promoção à candidatura do capitão do exército. Carlos Nacli, formado em educação física, criou 50 grupos de WhatsApp pro-Bolsonaro de Lisboa para “combater notícias tendenciosas ou maldosas”.
Noutro momento quente da campanha, quando o ex-líder do Ku Klux Klan David Duke disse rever-se no discurso do líder das sondagens, Portugal foi mencionado. “É um candidato muito forte e um nacionalista, além disso é totalmente um descendente europeu, ele parece-se com qualquer homem branco nos Estados Unidos, em Portugal, em Espanha, em França ou na Alemanha”, afirmou o supremacista branco no seu programa de rádio a cuja emissão o correspondente nos Estados Unidos da BBC, edição Brasil, teve acesso.