Não, não é Lula o principal alvo da cólera dos bolsonaristas

Correio do Pantanal

12 fev 2023 às 00:30 hs
Não, não é Lula o principal alvo da cólera dos bolsonaristas

Alexandre de Moraes, juiz do Supremo que a esquerda criticava em 2017 e hoje aclama, é odiado pela extrema-direita por, segundo ela, perseguir aliados do ex-presidente à margem da Constituição.

João Almeida Moreira, São Paulo

Mais do que o atual presidente Lula da Silva, o ódio da extrema-direita tem-se centrado no juiz Alexandre
Mais do que o atual presidente Lula da Silva, o ódio da extrema-direita tem-se centrado no juiz Alexandre de Moraes.© EVARISTO SA / AFP

Não, não é Lula o principal alvo da cólera dos bolsonaristas

Alexandre de Moraes, juiz do Supremo que a esquerda criticava em 2017 e hoje aclama, é odiado pela extrema-direita por, segundo ela, perseguir aliados do ex-presidente à margem da Constituição.

João Almeida Moreira, São Paulo

12 Fevereiro 2023 — 00:12

TÓPICOS

Mais do que o atual presidente Lula da Silva, o ódio da extrema-direita tem-se centrado no juiz Alexandre
Mais do que o atual presidente Lula da Silva, o ódio da extrema-direita tem-se centrado no juiz Alexandre de Moraes.© EVARISTO SA / AFP

OHospital da Asa Norte, em Brasília, anunciou quinta-feira, 2 de fevereiro, o óbito de um homem de 58 anos, natural de Botucatu, em São Paulo, dois dias depois de ter dado entrada nas urgências com queimaduras graves. Este imolou-se na Esplanada dos Ministérios em protesto contra Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo testemunhas, as suas últimas palavras foram “morte ao Xandão”. “Xandão” é o maior alvo da ira, às vezes insana, dos bolsonaristas, mais até do que o presidente Lula da Silva.

O movimento furioso contra Moraes, 54 anos, iniciou-se a 20 de agosto de 2021 quando Bolsonaro enviou ao Senado Federal um pedido, com 19 páginas, de impeachment do magistrado, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por “extrapolar os limites da Constituição”. Duas semanas antes, o então presidente fora incluído, por decisão de Moraes após consulta aos demais membros do TSE, no inquérito que apura a divulgação de fake news por políticos, empresários e influenciadores da extrema-direita brasileira. Em causa, os ataques de Bolsonaro ao voto eletrónico e ao sistema eleitoral.

Logo depois, nas comemorações da independência do Brasil, dia 7 de setembro, Bolsonaro tornou a fúria pública num discurso perante milhares de acólitos na Avenida Paulista, em São Paulo. “Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida”, disse, provocando gritos de “fora Moraes” da multidão.

Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.SUBSCREVER

“Por que razão personificar em Alexandre de Moraes? Porque essa personificação facilita. A população não sabe exatamente o que significa o STF, embora o tribunal se tenha tornado mais conhecido ao longo dos anos, e dar um nome, dar um rosto, facilita a ideia desse inimigo”, prevenia, à época, o professor de direito constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas, à BBC Brasil.

Daquele 7 de setembro até aos dias de hoje, Bolsonaro foi aumentando o tom contra Moraes, que classificou de “patife”, “moleque”, “canalha”, “vagabundo” e “ditador”, a cada discurso. Ao ponto de Lula, o rival eleitoral e alvo preferencial da direita brasileira desde há décadas, ter ficado em segundo plano na lista de inimigos do bolsonarismo.

No acampamento em frente ao quartel do exército em Brasília, de onde partiram os ataques de 8 de janeiro, havia mais cartazes com palavras de ordem insultuosas a Moraes do que a Lula, conforme verificou a reportagem do DN, na véspera da posse do novo presidente. Nos ataques, a sede do STF, onde o juiz opera, foi mais depredada do que o Palácio do Planalto, onde o político trabalha.

Além do bolsonarista que se imolou em protesto contra “Xandão”, o juiz foi notícia como alvo da direita noutras duas ocasiões só na última semana: o senador Marcos do Val relatou que o ex-deputado Daniel Silveira, um dos principais visados no inquérito das fake news de 2021, e o próprio Bolsonaro o incitaram a gravar Moraes sem seu conhecimento. O objetivo, segundo Val, era tentar produzir prova contra ele, na qualidade de presidente do TSE, decretar estado de sítio, impedir Lula de assumir a presidência e perpetrar um golpe de Estado.

Walter Delgatti, o hacker na origem da Vaza Jato, conjunto de reportagens que desvendou as irregularidades da Operação Lava Jato, disse, entretanto, ao jornal brasileiro em língua inglesa The Brazilian Report que trabalha hoje para Carla Zambelli, outra bolsonarista, como Silveira, no centro do inquérito das fake news, e que uma das suas tarefas seria clonar o telemóvel de Moraes.

Se a direita abomina o “Imperador Cabeça de Ovo”, como o juiz também é chamado por bolsonaristas nas redes sociais em alusão ao poder e à calvície, a esquerda habituou-se a aplaudi-lo.

Moraes foi, a esse propósito, o pretexto de um debate online entre Glenn Greenwald, jornalista que revelou, em parceria com Edward Snowden o escândalo na NSA, nos EUA, e publicou a Vaza Jato, no Brasil, e Celso Rocha de Barros, escritor e sociólogo, ambos conotados com a esquerda. Greenwald acusou Moraes de excessos e comparou-o a Sergio Moro, o hoje senador que agiu parcialmente enquanto juiz contra Lula. Barros exaltou o papel do magistrado na defesa das instituições no momento sensível em que elas eram atacadas por um presidente, Bolsonaro, com projeto golpista.

“Há os que oscilam entre o aplauso, por reconhecer que sem um zagueiro [defesa central] que não foge das divididas as coisas teriam acabado bem mal, e a reprovação, porque o back [defesa-central, também] chuta na canela e passa por cima, como se jogasse na várzea, não num torneio controlado por regras, cerimónias e liturgias”, resumiu o académico Wilson Gomes, em artigo no jornal Folha de S. Paulo.

Mas os aplausos da esquerda de hoje contrastam com a reação do mesmo campo político à sua nomeação para o STF em 2017, por Michel Temer, na sequência da morte do juiz Teori Zavascki, em queda de avião. Ministro da Justiça do governo do sucessor de Dilma Rousseff, o juiz foi chamado de “despreparado e parcial” numa nota oficial do PT, onde a sua nomeação foi classificada de “profundo desrespeito à consciência jurídica do país”.

Hoje, o mesmo juiz que leva bolsonaristas a atearem fogo ao próprio corpo é reproduzido por simpatizantes de Lula em memes nas redes sociais com a capa de Super Homem e o epíteto “Super Xandão”.

dnot@dn.pt

PARTILHAR

. Este imolou-se na Esplanada dos Ministérios em protesto contra Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo testemunhas, as suas últimas palavras foram “morte ao Xandão”. “Xandão” é o maior alvo da ira, às vezes insana, dos bolsonaristas, mais até do que o presidente Lula da Silva.

O movimento furioso contra Moraes, 54 anos, iniciou-se a 20 de agosto de 2021 quando Bolsonaro enviou ao Senado Federal um pedido, com 19 páginas, de impeachment do magistrado, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por “extrapolar os limites da Constituição”. Duas semanas antes, o então presidente fora incluído, por decisão de Moraes após consulta aos demais membros do TSE, no inquérito que apura a divulgação de fake news por políticos, empresários e influenciadores da extrema-direita brasileira. Em causa, os ataques de Bolsonaro ao voto eletrónico e ao sistema eleitoral.

Logo depois, nas comemorações da independência do Brasil, dia 7 de setembro, Bolsonaro tornou a fúria pública num discurso perante milhares de acólitos na Avenida Paulista, em São Paulo. “Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida”, disse, provocando gritos de “fora Moraes” da multidão.

Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.SUBSCREVER

“Por que razão personificar em Alexandre de Moraes? Porque essa personificação facilita. A população não sabe exatamente o que significa o STF, embora o tribunal se tenha tornado mais conhecido ao longo dos anos, e dar um nome, dar um rosto, facilita a ideia desse inimigo”, prevenia, à época, o professor de direito constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas, à BBC Brasil.

Daquele 7 de setembro até aos dias de hoje, Bolsonaro foi aumentando o tom contra Moraes, que classificou de “patife”, “moleque”, “canalha”, “vagabundo” e “ditador”, a cada discurso. Ao ponto de Lula, o rival eleitoral e alvo preferencial da direita brasileira desde há décadas, ter ficado em segundo plano na lista de inimigos do bolsonarismo.

No acampamento em frente ao quartel do exército em Brasília, de onde partiram os ataques de 8 de janeiro, havia mais cartazes com palavras de ordem insultuosas a Moraes do que a Lula, conforme verificou a reportagem do DN, na véspera da posse do novo presidente. Nos ataques, a sede do STF, onde o juiz opera, foi mais depredada do que o Palácio do Planalto, onde o político trabalha.

Além do bolsonarista que se imolou em protesto contra “Xandão”, o juiz foi notícia como alvo da direita noutras duas ocasiões só na última semana: o senador Marcos do Val relatou que o ex-deputado Daniel Silveira, um dos principais visados no inquérito das fake news de 2021, e o próprio Bolsonaro o incitaram a gravar Moraes sem seu conhecimento. O objetivo, segundo Val, era tentar produzir prova contra ele, na qualidade de presidente do TSE, decretar estado de sítio, impedir Lula de assumir a presidência e perpetrar um golpe de Estado.

Walter Delgatti, o hacker na origem da Vaza Jato, conjunto de reportagens que desvendou as irregularidades da Operação Lava Jato, disse, entretanto, ao jornal brasileiro em língua inglesa The Brazilian Report que trabalha hoje para Carla Zambelli, outra bolsonarista, como Silveira, no centro do inquérito das fake news, e que uma das suas tarefas seria clonar o telemóvel de Moraes.

Se a direita abomina o “Imperador Cabeça de Ovo”, como o juiz também é chamado por bolsonaristas nas redes sociais em alusão ao poder e à calvície, a esquerda habituou-se a aplaudi-lo.

Moraes foi, a esse propósito, o pretexto de um debate online entre Glenn Greenwald, jornalista que revelou, em parceria com Edward Snowden o escândalo na NSA, nos EUA, e publicou a Vaza Jato, no Brasil, e Celso Rocha de Barros, escritor e sociólogo, ambos conotados com a esquerda. Greenwald acusou Moraes de excessos e comparou-o a Sergio Moro, o hoje senador que agiu parcialmente enquanto juiz contra Lula. Barros exaltou o papel do magistrado na defesa das instituições no momento sensível em que elas eram atacadas por um presidente, Bolsonaro, com projeto golpista.

“Há os que oscilam entre o aplauso, por reconhecer que sem um zagueiro [defesa central] que não foge das divididas as coisas teriam acabado bem mal, e a reprovação, porque o back [defesa-central, também] chuta na canela e passa por cima, como se jogasse na várzea, não num torneio controlado por regras, cerimónias e liturgias”, resumiu o académico Wilson Gomes, em artigo no jornal Folha de S. Paulo.

Mas os aplausos da esquerda de hoje contrastam com a reação do mesmo campo político à sua nomeação para o STF em 2017, por Michel Temer, na sequência da morte do juiz Teori Zavascki, em queda de avião. Ministro da Justiça do governo do sucessor de Dilma Rousseff, o juiz foi chamado de “despreparado e parcial” numa nota oficial do PT, onde a sua nomeação foi classificada de “profundo desrespeito à consciência jurídica do país”.

Hoje, o mesmo juiz que leva bolsonaristas a atearem fogo ao próprio corpo é reproduzido por simpatizantes de Lula em memes nas redes sociais com a capa de Super Homem e o epíteto “Super Xandão”.

dnot@dn.pt

PARTILHAR

ATENÇÃO: Comente com responsabilidade, os comentários não representam a opnião do Jornal Correio do Pantanal. Comentários ofensivos e que não tenham relação com a notícia, poderão ser retirados sem prévia notificação.