“Na quimioterapia só 5% a 10% do fármaco chega ao local. Na nanotecnologia não há dispersão, é mais eficaz e menos tóxico”
João Conde, professor de Genética, investigador do Centro de Estudos de Ciências Médicas (ToxOmics), da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, defende que as farmacêuticas devem apoiar a investigação e que a nanomedicina é uma aposta de futuro.

Céu Neves26 Agosto 2021 — 00:13
Éum dos autores do estudo “Facts and Figures on Materials Science and Nanotechnology Progress and Investment”, sobre a eficácia dos nanoprodutos. Como funcionam?
No caso dos tumores, conseguimos colocar nas células cancerígenas uma série de nanomateriais que nos ajudam a que os fármacos sejam mais eficazes, ao mesmo tempo que se poupa as células normais, o que não acontece na quimioterapia. Através da nanotecnologia, podemos colocar todo o tipo de biomoléculas para que os fármacos não sejam descartados tão facilmente pelo nosso organismo ou transportados para outras células que não estejam doentes.
Significa que essas terapias são mais eficazes para as células cancerígenas sendo menos agressivas para as células normais?
É uma das grandes vantagens. Nos tumores cerebrais, com a quimioterapia, o fármaco é injetado e só uma pequena parte chega ao local, na ordem dos 5% a 10%. Vai acumular-se em outros órgãos, nos rins, fígado, etc. Nestas aplicações não há dispersão, produz menos toxicidade, menos efeitos secundários.

Qual é a terapia que desenvolve na empresa da qual é cofundador, a TargTex, criada há dois anos?
Estamos a desenvolver implantes para tratar tumores cerebrais. Estes são muito difíceis de tratar porque, muitas vezes, a quimioterapia e os fármacos injetados na circulação não chegam ao cérebro. Este tem uma espécie de membrana que não deixa entrar uma série de substâncias, ainda bem porque não passam bactérias e vírus mas, por outro lado, impede a entrada dos fármacos. Estamos a desenvolver um gel que é aplicado diretamente no cérebro e que difunde qualquer molécula terapêutica, permite-nos ter uma concentração mais elevada do fármaco e é direcionado. É uma medicina de precisão.
É uma espécie de autoestrada da terapêutica, vai mais depressa e diretamente ao destino.
É um pouco isso. Conseguimos pôr mais concentração do fármaco num espaço pequeno e, se fosse injetado, a maior parte seria descartada pelo organismo. Fazemos isto para evitar a cirurgia para retirar o tumor e assim não provocamos danos no tecido cerebral.
Esse medicamento já é utilizado?
Descobrimos um novo fármaco que nunca tinha sido utilizado em tumores cerebrais, os glioblastomas, que são mais agressivos (12 a 15 meses de vida), mas que tem uma eficácia superior ao fármaco que é utilizado na quimioterapia que é pouco eficiente, ronda os 20% a 30 %.
Os investigadores são todos portugueses?
A empresa é portuguesa, conseguimos um financiamento da Portugal Ventures de cerca de 2 milhões de euros. Mas a base do estudo envolve investigadores de muitos outros países, EUA, Alemanha, Suíça, Espanha. Levámos cinco anos até chegar aqui. Primeiro, tivemos de descobrir um novo fármaco para tumores cerebrais e compará-lo com os usados, o que se fez através de um algoritmo de inteligência artificial para ver as bases de moléculas terapêuticas que se podem ligar a novos alvos nas células
A Moderna e a Pfizer utilizam esse tipo de partículas, quais são as vantagens em relação à AstraZeneca e à Johnson & Johnson?
Usam nanopartículas, que são muito mais inertes do que os vírus. E, como são feitas com lípidos (e colesterol), dos mesmos materiais que as células, fundem-se com as nossas membranas muito mais facilmente e de uma forma muito mais natural do que os vírus, que são mais agressivos. Além de que essas duas vacinas usam o ARN mensageiro em vez do ADN, que é um subproduto do ADN, e que leva a célula a produzir proteínas virais.
Daí se ter chegado mais facilmente a uma vacina?
Exatamente, nós já utilizávamos estes tipos de nanopartículas e a tecnologia do ARN, que estava a ser desenvolvida para tumores, por nós e outros grupos, principalmente do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts].
Também explica terem uma eficácia mais elevada, acima dos 90%?
A AstraZeneca e a Johnson & Johnson utilizam adenovírus, como as vacinas da gripe, com uma eficácia na ordem dos 60%. O vírus tem de ultrapassar o núcleo da célula e depositar o ADN, depois o ADN é transformado em ARN e este em proteínas virais. O ARN mensageiro já não precisa de ir ao núcleo, fica dentro da célula e faz logo a transformação para a proteína viral, é muito mais rápido.
Já foi vacinado?
Já, com a Pfizer.
Se pudesse escolher, o que faria?
Escolhia a Pfizer ou a Moderna porque confio mais na tecnologia, sei que é mais eficiente. Mas aceitava qualquer uma das quatro aprovadas pela Agência Europeia de Medicamentos. Têm dados publicados.
Concorda em que se avance para a terceira dose da vacina?
Não sou da área da virologia, mas o que sabemos é que estas quatro vacinas estão a ser eficientes, as mortes e as hospitalizações reduziram drasticamente em relação às outras vagas. O que não sabemos é por quanto tempo o nosso sistema imunitário vai ter esta memória para prevenir a infeção e os casos mais graves da doença. Vamos ser infetados, o ideal é que o vírus da doença não se consiga multiplicar, mas só vamos saber com o tempo. Em alguns casos, talvez seja preciso a terceira dose, mas antes há um grande problema para resolver.
A solidariedade para com os milhões que não levaram a vacina…
Não é só um problema de solidariedade, é sobretudo de saúde pública. Mais de metade do mundo não tem acesso à vacina, esses países serão verdadeiras incubadoras deste vírus e novas variantes poderão surgir. Estávamos em confinamento e a variante inglesa chegou, a variante indiana chegou.
Porque é que demoraram a descobrir esses tratamentos?
A nanotecnologia surgiu há vários anos mas só nos últimos 15 é que se tem investido muito e mais na saúde, está presente em outras áreas.
Fala em mais de 3 mil produtos.
A nanotecnologia está envolvida em eletrónica, cosmética, construção, agricultura, indústria têxtil, saúde, em várias áreas, com o predomínio na eletrónica e na saúde.
Já está a ser utilizada em algum tratamento do cancro?
Ainda não está a ser usada na parte clínica. Os produtos têm de passar os ensaios clínicos e é o que tencionamos fazer nos tumores cerebrais. O problema é que o ensaio de fase 2, por exemplo, pode custar 15 milhões de euros, e é preciso o apoio de grandes farmacêuticas.
Seriam os primeiros a aplicar essa tecnologia?
Para tumores cerebrais e com este gel, sim. O grupo do professor Robert Langer, um dos colaboradores no artigo sobre o investimento em nanotecnologia, usou uma espécie de pastilhas que seriam colocadas no cérebro. Só que, como eram um modelo muito rígido, tinha pouca eficiência, na ordem dos 40%. O nosso gel adapta-se ao tecido e tem uma eficácia de 90%. É biodegradável e, à medida que se degrada, vai libertando o fármaco.
O que é que falta para avançar?
Temos de aplicar a técnica em modelos de animais mais complexos, porcos, coelhos, para entrar na fase 1, quando se avalia a toxicidade, os efeitos secundários. Segue-se a fase 2: testar a eficiência.

Esse gel também está a ser investigado pelo seu grupo do CEDOC?
Sim, mais para o cancro da mama e do cólon.
Quando prevê que essa terapêutica chegue aos doentes?
Os ensaios pré-clínicos e clínicos podem demorar dois a quatro anos. Com as vacinas, vimos isto acontecer em tempo real porque se investiu muito dinheiro, muitos recursos humanos e em infraestruturas.
E quando refere o que se passa em Portugal fala à escala global?
Colaboramos com grupos de todo o mundo, é uma rede de mais de 200 pessoas, não faz muito sentido falar só em Portugal. Os melhores projetos são os que envolvem muitos grupos, investigadores com diferentes valências e experiências.
O que significa que o facto de Portugal investir menos em nanotecnologia não é um problema.
Podemos ter sempre acesso a essas investigações desde que tenhamos essa visão de colaboração. Mas não estamos muito mal, estamos a meio da tabela, tem-se investido muito nos últimos dez a 15 anos. O grande problema do investimento na ciência em Portugal é o facto de não haver um financiamento certo, dependendo muito de bolsas e projetos e que, muitas vezes, são recusados.
Quem investe mais?
Os EUA e a China lideram. Os EUA lideram na investigação e na indústria, como a Inglaterra, a Alemanha, a Suíça e a França. Ao nível de trabalhos publicados, Portugal não está mal. Há cada vez mais grupos e que trouxeram financiamento, eu próprio ganhei há dois anos 1,5 milhões de euros para um projeto com gel para tumores da mama. E tem-se investido em institutos.
A ligação à indústria é o caminho?
É cada vez mais importante. A indústria farmacêutica investe pouco nos investigadores. Nos EUA, as farmacêuticas financiam a investigação para fazer os seus produtos, 80% do dinheiro vem da indústria. Em Portugal, as grandes farmacêuticas estão cá para vender os produtos e não para investir na investigação. É pena, primeiro porque somos considerados dos melhores investigadores do mundo; segundo, temos uma mão-de-obra que não é assim tão cara.
Criou uma empresa, já é uma tendência no país?
Temos sempre de ir atrás de todo o tipo de financiamento, É essencial que os investigadores procurem a indústria farmacêutica, até para perceberem quais são as suas necessidades. Muitas vezes, só querem fazer investigação mais básica e fundamental e esquecem-se das necessidades da indústria.
Essa mentalidade está a mudar?
Está a mudar com os novos investigadores, que também estiveram fora. No MIT ouvia: “Vamos falar com os médicos para saber o que precisam para tratar os doentes.” E voltávamos ao laboratório para desenvolver produtos para eles.
Qual o impacto da pandemia no futuro da nanotecnologia?
A pandemia veio desmistificar o uso de nanomateriais nos humanos. Temos centenas de milhões de pessoas vacinadas com o uso de nanopartículas que transportam o ARN viral e isto prova que, quando foi precisa, a nanomedicina respondeu mais rapidamente do que outras áreas da saúde. Vai levar a um boom na área da nanotecnologia.”Na quimioterapia só 5% a 10% do fármaco chega ao local. Na nanotecnologia não há dispersão, é mais eficaz e menos tóxico”