“Massacre do século XXI” na zona que já foi o pulmão verde de Damasco

Correio do Pantanal

21 fev 2018 às 07:04 hs
“Massacre do século XXI” na zona que já foi o pulmão verde de Damasco

Crianças feridas no ataque de segunda-feira recebem tratamento num hospital de Douma. Com cem mortos, este foi o dia mais mortífero dos últimos três anos na Síria

  |  EPA/MOHAMMED BADRA

Reforço dos bombardeamentos – que já fizeram pelo menos 250 mortos desde domingo à noite – leva a crer que estará iminente uma ofensiva terrestre das forças do regime no Ghouta Oriental, o enclave onde vivem 400 mil pessoas.

Celeiro e pulmão verde de Damasco, era no Ghouta Oriental que muitas famílias da capital síria faziam piqueniques aos fins de semana. Mas isso era antes da guerra que desde 2011 se estima ter feito meio milhão de mortos. Último reduto dos rebeldes perto de Damasco, desde 2013 que o enclave e os 400 mil habitantes sofrem o cerco das tropas do regime. E desde novembro enfrentam bombardeamentos quase diários. Só desde domingo à noite, já morreram duas centenas e meia de pessoas, com segunda-feira a ser o dia mais mortífero em três anos num conflito que começou com o objetivo de derrubar o presidente Bashar al-Assad e hoje é uma guerra de todos contra todos, com as grandes potências a defrontarem-se ali por interposta pessoa.

“Estamos perante o massacre do século XXI. Se o massacre dos anos 1990 foi Srebrenica e os massacres dos anos 1980 foram Halbja e Sabra e Shatila, o Ghouta Oriental é o massacre deste século, agora”, afirmou um médico do Ghouta citado pelo diário britânico The Guardian. “O que pode ser mais terrorismo do que matar civis com toda a espécie de armas? Isto é guerra? Chama-se um massacre”, acrescentou.

Segundo a Union of Medical Care and Relief Organizations (UOSSM), na segunda-feira bombas atingiram cinco hospitais, com os ataques a repetirem-se ontem numa região que também já foi atacada com armas químicas. O exército sírio não comentou as últimas notícias, limitando-se a dar conta de “ataques cirúrgicos” contra zonas de onde os rebeldes lançam rockets sobre Damasco. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, sediado em Londres, dá conta de 250 mortos no Ghouta Oriental em 48 horas.

Designada no verão de 2017 como uma das “zonas de desescalada” do conflito – criadas através de um acordo entre a Rússia e o Irão, principais apoios do regime sírio, e a Turquia, que apoia a oposição -, desde meados de novembro que o Ghouta Oriental sofre bombardeamentos contínuos. Muitos analistas acreditam que a intensificação da campanha aérea significa que o regime está prestes a lançar uma ofensiva terrestre na região. O jornal pró-governo Al-Watan escreveu que uma “vasta operação” pode começar “a qualquer momento”. A televisão libanesa Al-Manar, dirigida pelo grupo xiita Hezbollah, financiado pelos iranianos e um dos atores do conflito sírio, garantiu que Damasco está a enviar reforços para a região.

Numa análise também no The Guardian, o especialista em política externa Simon Tisdall destaca a forma como as grandes potências têm ignorado os apelos da ONU e das ONG no terreno para pararem as hostilidades, preferindo “centrarem-se no jogo estratégico que estão a disputar sobre os corpos de meio milhão de sírios”. E questiona-se quantas mais crianças terão de morrer para que o mundo reaja.

Com o governo a autorizar a entrada de um só comboio de ajuda humanitária no Ghouta Oriental desde novembro, muitos residentes têm de lidar com a fome, além dos bombardeamentos. Panos Moumtzis, coordenador da assistência humanitária da ONU para a crise Síria, disse à BBC que naquela região um pão custa 22 vezes mais do que no resto do país e que 11,9% das crianças com menos de 5 anos sofrem de subnutrição aguda.

Desesperados, os civis procuram refúgio nas caves dos prédios destruídos. Numa morgue improvisada em Douma, Nidal chora junto ao corpo da filha, Farah. Os hospitais de campanha enchem-se de pais à procura dos filhos, mortos ou vivos. “Só já contamos com a misericórdia de Deus e com as nossas caves para nos escondermos”, disse à AFP um residente de Hammouriyé.

Perante a violência dos últimos ataques, a ONU alertou para a situação no Ghouta Oriental, que está a ficar “fora de controlo”. E apelou ao fim imediato dos bombardeamentos indiscriminados, exigindo um cessar-fogo que permita a entrada de ajuda humanitária e a retirada dos doentes e feridos.

Entrada em Afrin

Deixando antever a escalada noutro ponto da guerra síria, as tropas do regime entraram ontem em Afrin, no Noroeste do país, para ajudar as milícias curdas das Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG) a travar a operação lançada há um mês pela Turquia para expulsar daquela região o grupo que considera como terrorista e diz ter ligações ao PKK turco. Pouco depois de entrarem na cidade, brandindo armas e bandeiras, os combatentes sírios foram recebidos por fogo da artilharia turca, com a agência Anadolu a dar conta do seu recuo.

Em 2012, após a retirada das tropas sírias, Afrin tornou-se a primeira zona curda a escapar ao controlo de Damasco. Ontem, o presidente turco Recep Erdogan tentou evitar a entrada das tropas sírias na cidade, telefonando aos homólogos russo, Vladimir Putin, e iraniano, Hassan Rouhani, maiores apoiantes de Damasco. Erdogan garantiu mesmo que o avanço das tropas sírias fora “travado”. Sendo mais tarde desmentido pelos acontecimentos.

ATENÇÃO: Comente com responsabilidade, os comentários não representam a opnião do Jornal Correio do Pantanal. Comentários ofensivos e que não tenham relação com a notícia, poderão ser retirados sem prévia notificação.