O satélite Lightsail 2 tem propulsão a partir da luz do Sol e pode representar um novo paradigma para viagens espaciais.
02/08/2019 06h00 Atualizado há 31 minutos
Deploy: Sequência de desdobramento da vela solar do LightSail. — Foto: Divulgação/The Planet Society
A gente aprende em história que o final do século XV e o início do século XVI são o período das grandes navegações. Inclusive com as expedições de Fernão de Magalhães provando, mais uma vez, que a Terra não é plana. Esse período representou uma grande expansão de fronteiras de países europeus em direção a novas terras. Essa expansão se deu em frágeis embarcações à mercê dos humores do tempo, em especial do vento.
Antes que você se pergunte se está no blog certo, eu digo que nós estamos a um passo de reviver a era das grandes navegações. E novamente com ajuda do Sol…
Em 25 de junho deste ano, a Sociedade Planetária, uma entidade sem fins lucrativos fundada por Carl Sagan, entre outros, lançou seu terceiro protótipo de um veleiro solar. Em 2005, a sociedade lançou o Cosmos 1, ou pelo menos tentou, uma vez que o foguete que o carregava explodiu em voo.
Dez anos depois, em 2015, foi lançado o LightSail 1 (um jogo de palavras que brinca com o fato dele ser impulsionado por luz ao mesmo tempo que ele é leve) e nessa oportunidade o veleiro conseguiu alcançar a órbita terrestre.
A luz como “combustível”
O LightSail 1 veio provar que o conceito de veleiro solar é, de fato, viável. Veleiro solar pode ser qualquer artefato, satélite, sonda ou nave tripulada, que viaje movido pela luz solar. Como assim? A luz, na verdade qualquer radiação, carrega momento linear. Ao se chocar com uma superfície, ela transfere esse momento e pode colocar a superfície em movimento.
A física é praticamente a mesma que explica quando uma bola de bilhar começa a se mover ao sofrer uma colisão com outra bola. É claro que, com a luz, o resultado é imperceptível em um primeiro momento, pois não só a luz carrega pouco momento, mas também porque um satélite tem muita massa. Em teoria isso pode ser contornado diminuindo-se a massa do artefato lançado e também aumentando a área da superfície coletora, a vela solar.
Bom, isso em teoria.
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LightSail 2 com sua vela aberta em laboratório — Foto: Divulgação/The Planetary Society
Para provar que a teoria está certa, a Sociedade Planetária lançou seu protótipo completamente financiado por doações de aproximadamente 40 mil aficionados pelo espaço. O LightSail 1 foi um experimento em que um cubesat de 3 elementos foi lançado com uma vela feita de Mylar, um poliéster metálico altamente reflexivo.
A missão do LightSail 1 era tão somente mostrar a viabilidade técnica de se mandar uma carga útil, como o cubesat, acoplada a uma vela que pudesse se desdobrar no espaço para “capturar” mais luz do Sol. Tanto foi que o primeiro protótipo foi colocado em uma órbita baixa, onde o arrasto da atmosfera terrestre iria fazer sua reentrada em menos de 15 dias.
Apesar de alguns sustos, a manobra de lançamento e desdobramento da vela ocorreu perfeitamente, abrindo o caminho para outra sonda com responsabilidade um tanto maior: provar que a luz do Sol é capaz de impulsionar o cubesat para ele alterar sua órbita.
Essa é a missão do LightSail 2, lançado por um foguete Falcon Heavy no fim de junho. Quase um mês depois, no dia 23 de julho, o cubesat acionou seu mecanismo para liberar as velas e, algum tempo depois, elas estavam totalmente abertas! Com essa configuração, a área coletora de luz atingiu 32 metros quadrados, mais ou menos a área de um quadrado de 5,5 metros de lado.
Como eu disse lá no começo, manobras com o uso da pressão da radiação solar levam tempo, pois o efeito da luz é muito sutil, então era preciso aguardar. O cubesat foi colocado em uma órbita circular de 720 km de altura, muito mais alto que seu predecessor, já que, nesse caso, é fundamental ficar longe da ação da atmosfera.
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Cubesat do LightSail 2 — Foto: Divulgação/The Planetary Society
Mudança na órbita do satélite
Fazendo com que as velas fiquem a maior quantidade de tempo apontadas para o Sol, a ideia é que o LightSail 2 altere de uma órbita circular para uma órbita mais ovalada, ou seja, elíptica. Com essa manobra, a Terra deixa de ser o centro da órbita e se torna um dos focos da elipse, e a ação da luz solar é fazer a distância maior entre o satélite e a Terra (chamada apogeu) aumentar gradativamente. Por outro lado, a menor distância entre os corpos (chamada perigeu) diminui do mesmo tanto. A distância média fica na mesma, mas a órbita é outra, com uma dinâmica bem diferente.
Resultados já apareceram
E até que não foi preciso esperar muito para que os resultados aparecessem. Na última quarta-feira (31), a Sociedade Planetária anunciou que conseguiu detectar que a órbita do LightSail 2 de fato se ovalou um pouco, fazendo com que o apogeu ficasse 2 km mais alto do que o raio da órbita inicial, que era circular.
Essa distância é bem pequena em termos de navegação espacial, mas reprenta muito em termos de conceito: é verdadeira a ideia de que uma nave possa alterar sua trajetória no espaço (nesse caso, mudar sua órbita) usando somente a luz do Sol.
Isso representa uma mudança de paradigma muito almejada, uma vez que, atualmente, estamos quase totalmente dependentes de foguetes movidos a reações químicas. Temos naves que manobram com o uso de propulsão iônica, mas nunca antes isso foi feito com a luz solar, o que deve colocar a exploração espacial em outro patamar. Com o uso da luz solar para manobras no espaço, não será necessário agregar motores e combustível.
Uma nova maneira de viajar pelo Sistema Solar foi confirmada como factível e, nas palavras do gerente do projeto: “Se 40 mil aficionados financiaram os dois LightSail com US$ 7,5 milhões, imagine o que poderíamos fazer se esse número chegar a 500 mil pessoas? Ou 5 milhões?” Pois é, só esperando para saber!
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