Bolsonaro é o novo presidente do Brasil: à direita e mais à direita volver

Correio do Pantanal

29 out 2018 às 12:25 hs
Bolsonaro é o novo presidente do Brasil: à direita e mais à direita volver

Bolsonaro vence Haddad por 10 pontos percentuais, é confirmado 38.º presidente do país e promete interromper “o flirt com o comunismo e o socialismo”, além de respeitar a Bíblia, a Constituição e a propriedade privada

No dia 1 de janeiro, Michel Temer vai entregar a faixa presidencial a Jair Bolsonaro, o 38º presidente da história do Brasil, no fim da rampa do Planalto, em Brasília. A extrema-direita chega ao poder, através de um capitão do exército reformado, num país que ainda há 33 anos vivia sob regime de ditadura militar. No total, cerca de 57 milhões de eleitores escolheram o candidato do PSL, o equivalente a 55,1% dos votos válidos. Fernando Haddad, do PT, somou 44,9% e perto de 46 milhões de votos.

“O país tem de conviver com a verdade, o país tem o dever e o direito de saber o que acontece no país”, começou por dizer Bolsonaro, 63 anos, num discurso previamente gravado, na sua casa, no Rio de Janeiro. “Alguém sem fundo partidário, sem um grande partido, com os media criticando, às vezes nos colocando em situações vexatórias, teve o apoio de um grande exército, de um verdadeiro exército”, prosseguiu. “Não podemos mais flirtar com o comunismo, o socialismo, o extremismo”, continuou, rodeado da mulher, Michelle, que dizia ámen a cada interrupção no texto, e de uma intérprete da linguagem brasileira de sinais.

Mais tarde, o presidente eleito, embora reforçando a necessidade de defender a propriedade privada – ao longo da campanha afirmou que vai equiparar os atos dos grupos Movimento dos Sem Terra e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto a terrorismo – foi mais pacificador ao ler um segundo discurso. Jurou defender “a liberdade” e “a democracia” e ser o presidente de todos “independentemente de região, cor ou orientações”.

As últimas palavras tiveram cunho patriótico e religioso, na forma do seu slogan de campanha – “o Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, e também militar. “Missão não se escolhe, nem se discute, só se cumpre”.

Fernando Haddad, praticamente à mesma hora, mas num hotel de São Paulo, sublinhou a gravidade do momento. “Não vamos deixar o país para trás, há muita coisa em jogo, vamos estar o tempo todo até 2022 exercendo a nossa cidadania”. “Àqueles que angustiados, alguns a soluçar, se dirigiram a mim na campanha, eu digo-vos não tenham medo, nós abraçaremos vocês, a vida é feita de coragem”.

O candidato derrotado fez ainda saber que não telefonou ao vencedor porque este o chamara de canalha e ameaçara, uma vez eleito, prendê-lo.

Logo após a divulgação da sondagem de boca de urna, milhares de apoiantes juntaram-se na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, agora uma das cidades mais à direita do mundo, porque também o social-cristão Wilson Witzel foi ontem eleito e o bispo da IURD Marcelo Crivella é, desde 2016, o prefeito da cidade. Em frente ao condomínio onde mora Bolsonaro, os seus eleitores, vestidos quase todos de amarelo, cantaram o hino e soltaram fogos de artifício durante toda a noite. Entretanto, na Avenida Paulista, em São Paulo, chegou a haver início de confrontos entre apoiantes de Bolsonaro e Haddad, controlados rapidamente pelas forças policiais.

Junto ao futuro presidente estiveram os seus principais apoiantes, o presidente do PSL Gustavo Bebbiano, falado para o ministério da justiça, Onyx Lorenzoni, ex-deputado que deve ocupar a pasta que coordena as relações da presidência com o Congresso, a Casa Civil, os seus três filhos políticos, Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro, o General Heleno, que vai assumir a defesa, e Magno Malta, ex-senador e cantor gospel que chegou a ser cotado para a vice-presidência.

Interrogado, Bolsonaro não quis falar da constituição do seu executivo nem de detalhes das suas propostas, além do que dissera no segundo discurso. Mas, como principais desafios do novo presidente estão, no plano social, a reunificação de um país muito dividido – praticamente 50% dos brasileiros disseram em sondagens que não votariam no eleito “de jeito nenhum” – e, no plano social, a negociação com o Congresso Nacional mais fragmentado da história – são 30 partidos. No plano económico, o défice primário de 97,2 mil milhões de reais ao ano (cerca de 22 mil milhões de euros) é a pior das heranças recebidas.

Bolsonaro e Haddad votaram mais ou menos à mesma hora, perto das 10 horas locais (13 horas em Portugal) mas em cidades diferentes. O candidato do PSL numa escola da zona oeste do Rio de Janeiro, o concorrente do PT num estabelecimento de ensino de Moema, na zona sul de São Paulo.

Haddad, que antes de votar tomou o pequeno-almoço com lideranças do PT, falava em “lutar até ao fim”. “Até ao último minuto lutaremos, estou muito confiante de que vamos ter um grande resultado hoje, as pesquisas indicam uma retomada importante da intenção de voto no nosso projeto e eu confio na democracia, confio no povo brasileiro”. O candidato congratulava-se ainda com os apoios do juiz que julgou o Mensalão, Joaquim Barbosa, e do procurador-geral da República durante a maior parte da Operação Lava Jato, Rodrigo Janot.

Bolsonaro, envolvido por um aparatoso esquema de segurança, com cerca de uma dezena de soldados e vestindo um colete à prova de balas, não falou à comunicação social nem antes, nem depois do voto. Seguiu para o condomínio na Barra de Tijuca, onde acompanhou o domingo eleitoral.

Nos principais estados, entretanto, confirmou-se o “tsunami” Bolsonaro: João Doria, em São Paulo, Wilson Witzel, no Rio de Janeiro, e Romeu Zema, em Minas Gerais, todos apoiantes do capitão do exército reformado a nível nacional, confirmaram a sua eleição.

Fátima Bezerra, do PT, foi a única mulher, nas 27 unidades federativas do Brasil, a eleger-se governadora, no Rio Grande do Norte – por outro lado, com quatro governadores eleitos e cinco aliados, pela primeira vez o partido de Haddad passa a controlar toda a região Nordeste, seu tradicional bastião.

No longo dia eleitoral, o primeiro brasileiro a votar foi Joel Santana, um técnico de manutenção de 49 anos que esperou em frente aos portões durante 23 horas e 45 minutos. Santana beneficiou-se de ser morador do arquipélago de Fernando de Noronha, no estado de Pernambuco, cujo fuso horário é de uma hora a menos do que o horário de Brasília, que rege a maior parte do território brasileiro. “Estava ansioso por ser o primeiro”, disse Santana. No entanto, em rigor, por causa do fuso horário foram os brasileiros residentes na Nova Zelândia e na Austrália os primeiros a assinalarem o seu voto – à hora em que se votava em Fernando de Noronha, já as urnas haviam encerrado nos dois países da Oceânia. Os últimos foram os eleitores do Acre, duas horas atrás do restante do Brasil no fuso horário.

Ao longo do dia, houve perto de uma centena de ocorrências policiais, como a detenção de um eleitor que pegou fogo a um colégio eleitoral em Fortaleza, de um votante que rasgou a roupa de um mesário no Tocantins, de dois apoiantes de Haddad que picharam um edifício público, além de cidadãos acusados de lesões corporais e de tentativas de compra de votos. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou, entretanto, um balanço onde assinalava a substituição, por avaria, de 3841 urnas eletrónicas, o equivalente a 0,84% do total. Em três secções de voto do país foi necessário recorrer ao voto em papel.

Em São Paulo

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